ou terça-feira lá em casa, sem falta!
A gente não se conhecia. Quer dizer, ela não sabia da minha
existência. Mas não havia como não notar uma mulher como aquela. Não saberia
por onde começar a descrever tamanha beleza. Sem dúvida, a foto dela poderia
ilustrar no dicionário a palavra “mulherão”. Difícil identificar exatamente o
que a fazia tão diferente. Era o tal do sex
appeal. Ou melhor, o “borogodó”.
Muitas e muitas vezes, nos intervalos das filmagens,
dividimos o mesmo balcão do Café que ficava entre os nossos estúdios. Eu não era
ainda muito conhecido. Um ator de segundo escalão. Ela também não era famosa
como se tornou pouco tempo depois.
Numa dessas tardes, eu ali distraído, como sempre lendo um
livro e ela se senta ao meu lado. Parecia um pouco agitada. Logo se levantou. E
esbarrou em mim. Derrubando todo o café que eu tomava em minha camisa. Ela ficou
completamente sem jeito. Pediu mil desculpas. Parecia um tanto atrapalhada.
Diferente da imagem que eu tinha até então.
Nunca uma camisa manchada fora tão abençoada!
Ela chegou até a se oferecer pra limpar. Trocamos mais
algumas palavras. Ela tentando se explicar. Duas ou três frases, que eu não
posso me lembrar, e ela se foi como um furacão. Mais uma vez se desculpando. É,
não consigo mesmo me lembrar do que falamos. Seria exigir demais de mim. Eu
estava impactado. Encantado.
Naquela semana eu não a vi mais. Mas pra minha surpresa e
alegria nos encontramos de novo. Cheguei ao Café e ela já estava lá. Linda. Não
pude deixar de pensar, inseguro, será que ela vai se lembrar de mim? Vamos
arriscar. E lá fui eu. Parei ao lado dela e ela parecia feliz em me ver. Pediu
desculpas pelo outro dia e disse que tinha um presente pra mim. Me entregou uma
caixa. Agora era a minha vez de ficar sem jeito. Não sabia o que dizer. Abri a
caixa. Era uma camisa. Branca como aquela da mancha. Ela estava mais uma vez se
desculpando. Espero que tenha acertado o seu número, ela me disse olhando bem
nos meus olhos. E ela acertou mesmo. Era o meu número. Bom, quebramos o gelo.
Eu a convidei para sentarmos numa mesa. E quando me dei conta já estávamos ali há
algumas horas. Falamos. Falamos. E não conseguíamos parar. Foi uma sintonia
imediata. Falamos das dificuldades da carreira, de família e amigos em comum.
Não poderia imaginar que ela gostasse de ler – ou que, pelo menos, gostasse tanto
de ler! Muitas e muitas histórias em comum. Gostos parecidos. Foi uma conversa
deliciosa. A minha admiração só aumentou. Além de belíssima ela era uma garota muito
inteligente. Apaixonante.
Nos prometemos que aquela conversa aconteceria mais vezes.
Infelizmente, terminei as filmagens naquele estúdio e já não conseguia mais
aquele tempo para passar pelo Café. Mas um dia, ao acaso, nos cruzamos no
centro da cidade. E o clima daquele outro dia, ainda estava presente. E fiquei
sabendo que ela estaria sempre por ali naquele horário. Pelo menos enquanto
durasse o curso de interpretação que ela estava fazendo. Parecia tão dedicada.
Empenhada em aprender mais. Não se considerava uma boa atriz. Nesse aspecto era
bastante insegura. O que realmente não combinava com aquela mulher tão
exuberante. Bom, inventei alguma coisa e disse que também passava por ali com
frequência. E sugeri, numa brincadeira, que nos encontrássemos pelo menos por
30 segundos. Tempo suficiente para um abraço e um olá. Que não atrapalharia
ninguém. Ela achou incrível.
E nos encontramos muitos e muitos 30 segundos. Geralmente só
pra dizer o quanto era bom nos encontrarmos nem que fosse por 30 segundos. Era
o nosso tempo possível.
Um dia, criei coragem e a convidei pra tomar uma bebida no
meu apartamento. Ela aceitou! Juro, tentei não criar nenhuma expectativa. Mas
era impossível. Bom, eu não faria nada que ela não quisesse. Isso estava claro
pra mim. Não queria correr o risco de perder o que conquistamos em nossos
pequenos momentos.
Era uma terça-feira. Eu ali dando uma geral em tudo. Afinal,
quando se é solteiro a organização da casa não é exatamente uma prioridade. Mas
queria passar uma boa impressão. Coloquei um jazz pra tocar enquanto esperava
ansioso. Ela não demorou muito. Primeiro mostrei o apartamento. Servi uma
bebida e sentamos pra conversar. Pra variar. Até então, o nosso forte era só a
conversa. Confesso que eu estava um tanto desconcertado. Era uma conversa
diferente. A gente estava completamente a sós pela primeira vez. Num
determinado momento, enquanto falava, ela tocou na minha mão. Nossa! Eu não era
o que se pode chamar de um homem inexperiente. Tinha os meus encantos e
confiava no meu poder de sedução. Mas eu é que estava seduzido. Em um
determinado momento, ela parou e ficou só me olhando. Deu um sorriso. Ah,
aquele sorriso. Me desarmava completamente. E perguntou se podia me confessar
uma coisa. E eu podia recusar? Pelo amor de Deus.
Ela disse que eu era o primeiro homem que realmente havia
conversado com ela. E que ela ainda estava um pouco confusa. Porque normalmente
eles queriam levá-la para cama nos primeiros 15 minutos de papo. E isso era bom
e ruim. Porque ela estava completamente apaixonada por mim, mas não tinha
certeza se eu a desejava também. Afinal, mesmo querendo muito, eu nunca tentei
nada. Que tolo eu fui. Depois daquela declaração tão sincera eu só pude
beijá-la. Era a minha resposta. Difícil acreditar que aquilo estava realmente
acontecendo. Ela ali, ao alcance da minha boca, das minhas mãos. Me entreguei
de corpo e alma. Não acho necessário descrever aquela noite de amor. Só quero
dizer que superou qualquer tipo de fantasia que eu tenha tido. Foi incrível.
Intenso. Inteiro.
E, sem combinarmos muito, as terças-feiras passaram a ser
nossas. Mas eram as tardes de terças-feiras. Ela parecia muito à vontade.
Feliz. Eu também estava feliz. Era interessante observá-la. Numas horas tão
mulher e em outras tão menina. Frágil. Ingênua. Divertida. Andava pela casa
vestida com a minha camisa. Curiosa por tudo. Parecia uma garotinha. Mexia nos
meus discos. Folheava os meus livros. Bebia do meu whisky. E adorava deitar
toda atravessada numa poltrona vermelha que tenho na sala. Passamos muitas
horas assim. Sei que podem não acreditar, mas muitas vezes, só conversando. Mesmo.
Nunca uma mulher foi tão transparente pra mim. Ela era pura. Doce. Meiga. Mas
ao mesmo tempo também era um vulcão em erupção!
Acredito que ninguém a tenha conhecido como eu. Ou, pelo
menos, que tenha conhecido esse outro lado. O lado que ninguém via. Aquele que
ela não podia mostrar. O que não combinava com o que se esperava da grande diva
que ela estava se tornando. Exigiam a mulher superficial. Cuja beleza ofuscava
qualquer outro tipo de demonstração. Ela não queria só isso. Queria que a vissem
como uma pessoa que apesar de extremamente sexy, atraente e bela, também
pensava. E como pensava aquela menina!
Essa nossa “relação” não chegou a ser um namoro. A gente
viveu. Sem cobranças. Respeitando-nos dentro de nossas limitações. E, sem que
nada houvesse sido dito, havia um pacto. Independente de todo o resto, a gente
nunca iria perder o que conquistamos, o que existia entre nós. Que a gente nem
conseguia nominar direito. Seria amor? Amizade? Paixão? Acho que passamos por
tudo isso! De alguma forma a gente se pertencia. Devia ser algum tipo de amor,
ainda não classificado.
Passamos por muitas fases. Alguns períodos de afastamento.
Mas, não durava muito. A gente sempre se achava de novo. No meio disso tudo eu
até cheguei a me casar! Ela tentou mas, pelo que conheci dela, não conseguiu se
entregar de verdade. Queria ser mãe. Ninguém deu isso a ela. Eu, que poderia
realizar esse sonho, não era fértil. Ela arrastou essa frustração por toda sua
breve vida.
Perdê-la de forma tão banal foi muito duro. Até hoje não
superei a falta que ela faz em minha vida. Ficou um buraco. A vida ficou menos
colorida. Sem aquele brilho que só ela era capaz de me proporcionar. Sem fazer
nenhum esforço. Por muito tempo me culpei. Senti que falhei como amigo. Não
estava ao lado dela naquele momento de extremo desespero. Imagino a sua dor.
Não consigo julgá-la. Ainda não sei se foi um ato de covardia ou de muita
coragem.
O tempo vai nos transformando e transformando nossos
sentimentos. Dói um pouco menos (mas, nunca para de doer). E pensar, lembrar de
tudo que compartilhamos, ainda me faz feliz. Ah, como eu queria te ter aqui. Ao
alcance do meu abraço.