sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Apenas ficção

ou terça-feira lá em casa, sem falta!


A gente não se conhecia. Quer dizer, ela não sabia da minha existência. Mas não havia como não notar uma mulher como aquela. Não saberia por onde começar a descrever tamanha beleza. Sem dúvida, a foto dela poderia ilustrar no dicionário a palavra “mulherão”. Difícil identificar exatamente o que a fazia tão diferente. Era o tal do sex appeal. Ou melhor, o “borogodó”.
Muitas e muitas vezes, nos intervalos das filmagens, dividimos o mesmo balcão do Café que ficava entre os nossos estúdios. Eu não era ainda muito conhecido. Um ator de segundo escalão. Ela também não era famosa como se tornou pouco tempo depois. 

Numa dessas tardes, eu ali distraído, como sempre lendo um livro e ela se senta ao meu lado. Parecia um pouco agitada. Logo se levantou. E esbarrou em mim. Derrubando todo o café que eu tomava em minha camisa. Ela ficou completamente sem jeito. Pediu mil desculpas. Parecia um tanto atrapalhada. Diferente da imagem que eu tinha até então.
Nunca uma camisa manchada fora tão abençoada!
Ela chegou até a se oferecer pra limpar. Trocamos mais algumas palavras. Ela tentando se explicar. Duas ou três frases, que eu não posso me lembrar, e ela se foi como um furacão. Mais uma vez se desculpando. É, não consigo mesmo me lembrar do que falamos. Seria exigir demais de mim. Eu estava impactado. Encantado.

Naquela semana eu não a vi mais. Mas pra minha surpresa e alegria nos encontramos de novo. Cheguei ao Café e ela já estava lá. Linda. Não pude deixar de pensar, inseguro, será que ela vai se lembrar de mim? Vamos arriscar. E lá fui eu. Parei ao lado dela e ela parecia feliz em me ver. Pediu desculpas pelo outro dia e disse que tinha um presente pra mim. Me entregou uma caixa. Agora era a minha vez de ficar sem jeito. Não sabia o que dizer. Abri a caixa. Era uma camisa. Branca como aquela da mancha. Ela estava mais uma vez se desculpando. Espero que tenha acertado o seu número, ela me disse olhando bem nos meus olhos. E ela acertou mesmo. Era o meu número. Bom, quebramos o gelo. Eu a convidei para sentarmos numa mesa. E quando me dei conta já estávamos ali há algumas horas. Falamos. Falamos. E não conseguíamos parar. Foi uma sintonia imediata. Falamos das dificuldades da carreira, de família e amigos em comum. Não poderia imaginar que ela gostasse de ler – ou que, pelo menos, gostasse tanto de ler! Muitas e muitas histórias em comum. Gostos parecidos. Foi uma conversa deliciosa. A minha admiração só aumentou. Além de belíssima ela era uma garota muito inteligente. Apaixonante.

Nos prometemos que aquela conversa aconteceria mais vezes. Infelizmente, terminei as filmagens naquele estúdio e já não conseguia mais aquele tempo para passar pelo Café. Mas um dia, ao acaso, nos cruzamos no centro da cidade. E o clima daquele outro dia, ainda estava presente. E fiquei sabendo que ela estaria sempre por ali naquele horário. Pelo menos enquanto durasse o curso de interpretação que ela estava fazendo. Parecia tão dedicada. Empenhada em aprender mais. Não se considerava uma boa atriz. Nesse aspecto era bastante insegura. O que realmente não combinava com aquela mulher tão exuberante. Bom, inventei alguma coisa e disse que também passava por ali com frequência. E sugeri, numa brincadeira, que nos encontrássemos pelo menos por 30 segundos. Tempo suficiente para um abraço e um olá. Que não atrapalharia ninguém. Ela achou incrível.
E nos encontramos muitos e muitos 30 segundos. Geralmente só pra dizer o quanto era bom nos encontrarmos nem que fosse por 30 segundos. Era o nosso tempo possível.

Um dia, criei coragem e a convidei pra tomar uma bebida no meu apartamento. Ela aceitou! Juro, tentei não criar nenhuma expectativa. Mas era impossível. Bom, eu não faria nada que ela não quisesse. Isso estava claro pra mim. Não queria correr o risco de perder o que conquistamos em nossos pequenos momentos.

Era uma terça-feira. Eu ali dando uma geral em tudo. Afinal, quando se é solteiro a organização da casa não é exatamente uma prioridade. Mas queria passar uma boa impressão. Coloquei um jazz pra tocar enquanto esperava ansioso. Ela não demorou muito. Primeiro mostrei o apartamento. Servi uma bebida e sentamos pra conversar. Pra variar. Até então, o nosso forte era só a conversa. Confesso que eu estava um tanto desconcertado. Era uma conversa diferente. A gente estava completamente a sós pela primeira vez. Num determinado momento, enquanto falava, ela tocou na minha mão. Nossa! Eu não era o que se pode chamar de um homem inexperiente. Tinha os meus encantos e confiava no meu poder de sedução. Mas eu é que estava seduzido. Em um determinado momento, ela parou e ficou só me olhando. Deu um sorriso. Ah, aquele sorriso. Me desarmava completamente. E perguntou se podia me confessar uma coisa. E eu podia recusar? Pelo amor de Deus.

Ela disse que eu era o primeiro homem que realmente havia conversado com ela. E que ela ainda estava um pouco confusa. Porque normalmente eles queriam levá-la para cama nos primeiros 15 minutos de papo. E isso era bom e ruim. Porque ela estava completamente apaixonada por mim, mas não tinha certeza se eu a desejava também. Afinal, mesmo querendo muito, eu nunca tentei nada. Que tolo eu fui. Depois daquela declaração tão sincera eu só pude beijá-la. Era a minha resposta. Difícil acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Ela ali, ao alcance da minha boca, das minhas mãos. Me entreguei de corpo e alma. Não acho necessário descrever aquela noite de amor. Só quero dizer que superou qualquer tipo de fantasia que eu tenha tido. Foi incrível. Intenso. Inteiro.

E, sem combinarmos muito, as terças-feiras passaram a ser nossas. Mas eram as tardes de terças-feiras. Ela parecia muito à vontade. Feliz. Eu também estava feliz. Era interessante observá-la. Numas horas tão mulher e em outras tão menina. Frágil. Ingênua. Divertida. Andava pela casa vestida com a minha camisa. Curiosa por tudo. Parecia uma garotinha. Mexia nos meus discos. Folheava os meus livros. Bebia do meu whisky. E adorava deitar toda atravessada numa poltrona vermelha que tenho na sala. Passamos muitas horas assim. Sei que podem não acreditar, mas muitas vezes, só conversando. Mesmo. Nunca uma mulher foi tão transparente pra mim. Ela era pura. Doce. Meiga. Mas ao mesmo tempo também era um vulcão em erupção!

Acredito que ninguém a tenha conhecido como eu. Ou, pelo menos, que tenha conhecido esse outro lado. O lado que ninguém via. Aquele que ela não podia mostrar. O que não combinava com o que se esperava da grande diva que ela estava se tornando. Exigiam a mulher superficial. Cuja beleza ofuscava qualquer outro tipo de demonstração. Ela não queria só isso. Queria que a vissem como uma pessoa que apesar de extremamente sexy, atraente e bela, também pensava. E como pensava aquela menina!

Essa nossa “relação” não chegou a ser um namoro. A gente viveu. Sem cobranças. Respeitando-nos dentro de nossas limitações. E, sem que nada houvesse sido dito, havia um pacto. Independente de todo o resto, a gente nunca iria perder o que conquistamos, o que existia entre nós. Que a gente nem conseguia nominar direito. Seria amor? Amizade? Paixão? Acho que passamos por tudo isso! De alguma forma a gente se pertencia. Devia ser algum tipo de amor, ainda não classificado.

Passamos por muitas fases. Alguns períodos de afastamento. Mas, não durava muito. A gente sempre se achava de novo. No meio disso tudo eu até cheguei a me casar! Ela tentou mas, pelo que conheci dela, não conseguiu se entregar de verdade. Queria ser mãe. Ninguém deu isso a ela. Eu, que poderia realizar esse sonho, não era fértil. Ela arrastou essa frustração por toda sua breve vida.
Perdê-la de forma tão banal foi muito duro. Até hoje não superei a falta que ela faz em minha vida. Ficou um buraco. A vida ficou menos colorida. Sem aquele brilho que só ela era capaz de me proporcionar. Sem fazer nenhum esforço. Por muito tempo me culpei. Senti que falhei como amigo. Não estava ao lado dela naquele momento de extremo desespero. Imagino a sua dor. Não consigo julgá-la. Ainda não sei se foi um ato de covardia ou de muita coragem.
O tempo vai nos transformando e transformando nossos sentimentos. Dói um pouco menos (mas, nunca para de doer). E pensar, lembrar de tudo que compartilhamos, ainda me faz feliz. Ah, como eu queria te ter aqui. Ao alcance do meu abraço.

Para a diva incompreendida. Minha eterna e doce amiga, Norma "Marylin Monroe" Jean.